Estudar as fezes não é coisa de maluco. Pode servir para entender melhor
a nossa saúde, a nossa mente e até mesmo o passado de toda a
humanidade. Seja bem-vindo ao mundo da coprologia, a ciência que estuda o
conteúdo da sua privada.
O que é isso na minha privada?
Cerca de 3/4 das fezes é água pura. Mas a proporção pode variar de
acordo com a consistência. Quanto menos água tiver, mais duras elas
serão. O resto é sobra de alimento, bactérias mortas e um pouco de muco
do intestino grosso para facilitar a passagem.
Pequeno manual do cocô
Uma peça saudável é marrom graças à estercobilina, um pigmento
escuro formado na digestão da bile - aquele fluido produzido pelo fígado
que facilita a ação das enzimas que digerem as gorduras. Alterações na
cor podem vir da ingestão de certos alimentos ou corantes, mas também
podem indicar doenças. As principais "cores erradas" são:
Branco ou cinza
Sem a estercobilina, o cocô fica com cara de argila. Isso pode
acontecer por algum problema no fígado, pâncreas ou vesícula biliar que
esteja bloqueando a passagem da bile. Pode ser uma simples pedra na
vesícula ou um tenebroso câncer de pâncreas.
Vermelho
Alguns alimentos, como a beterraba, dão essa cor. Mas se ela
persistir pode ser sinal de que você está sangrando em algum lugar do
tubo digestivo. Se for vermelho vivo, o problema é na parte final -
falando reto: um sangramento anal, as famosas hemorroidas.
Preto
Cocô preto indica sangramento na parte inicial da digestão - talvez
na garganta ou estômago. Nesse caso, o sangue é digerido junto e chega
preto à privada. O cheiro é importante: dizem que a coisa é tão feia que
quem conhece não esquece.
Amarelo
Pode indicar gordura, o que não é bom, já que o corpo deveria
absorvê-la. Assim, pode haver algo errado com o seu sistema digestivo
(ou a sua dieta). E a cor é a parte menos nojenta: o cocô "gordo" cheira
muito pior do que o normal e flutua (o normal é afundar).
Verde
Uma dieta com muito ferro (ou suplementos) pode deixar seu cocô com
essa cor. Mas pode ser também uma infecção, como a doença de Crohn
(doença em que células imuno-lógicas atacam os tecidos digestivos e
provocam dor, diarreia e muco nas fezes. Écati).
Formato cilíndrico
Esse é o formato ideal. Com uma ponta para facilitar a saída. Mas
não é regra: cada pessoa tem um padrão de cor, forma e frequência. Nesse
item, a variação é enorme: segundo o livro O que Seu Cocô Está Dizendo a
Você, de Anish Sheth, pessoas do sul da Ásia evacuam até três vezes
mais do que ocidentais. Isso acontece por causa das fibras da dieta
indiana. Ou seja, cuidado com o curry.
Tipo cabrito
Típico de quem sofre de prisão de ventre (até 15% das pessoas), a
forma indica que o cocô demorou para chegar ao reto e está sem água.
Pode sinalizar pouca fibra na comida ou o costume de "segurar". Sim,
segurar resseca - e pode machucar na saída.
Tipo poça
O cocô na forma líquida (como na diarreia) pode ser causado por
bactérias. Mas também pode ser uma irritação do intestino por causa de
alimentos exóticos, a que o corpo não está acostumado. Isso agride a
mucosa intestinal, e impede a absorção da água.
Tipo tripinha
Fezes finas são provavelmente apenas um sinal de que você
está forçando demais e contraindo o esfíncter (a válvula que controla o
abre e fecha do ânus). Mas, se isso persistir, pode ser indício de que
algo está obstruindo o caminho. Vale dar uma olhada.
Arqueologia fecal
O cocô não revela informações apenas sobre quem somos hoje.
Coprólitos, fezes fossilizadas, dizem muito sobre a vida dos homens do
passado - de hábitos alimentares a doenças. E, por causa disso, são
considerados um tesouro para arqueólogos.
Os fósseis só se formam em duas condições: debaixo d´água, se a matéria
orgânica do cocô for substituída por minerais, ou quando o material
resseca em ambientes áridos.
"Por isso, fezes de ancestrais são muito raras", explica Eske
Willerslev, biólogo evolucionista da Universidade de Copenhague. Foi
graças à análise de coprólitos humanos encontrados no Oregon, nos EUA,
que Willerslev fez uma descoberta importante: o homem chegou à América
mil anos antes do que se imaginava.
Até pouco tempo, a teoria mais aceita era a de que uma leva de migrantes
saiu da Ásia, cruzou o Estreito de Bering e chegou ao Alasca há cerca
de 13 mil. A partir daí, eles teriam se espalhado pelo continente. Mas a
análise dos coprólitos comprovou que o material tem mais de 14 mil anos
de idade - mil a mais do que as pontas de lanças mais antigas
encontradas.
O estudo do DNA mitocondrial das fezes fossilizadas também revelou que
eles pertencem a pessoas de um genoma vindo de outra parte da Ásia, que
poderiam ser os antecessores da população indígena americana atual.
Terapia de privada
A crença de que o intestino preso pode interferir na personalidade
vem da Idade Média (e se propagou depois. É só pensar em alguém
"enfezado" = cheio de fezes). Mas a ciência comprovou agora que existe,
sim, uma relação direta entre o nosso estado psicológico e o
funcionamento intestinal.
Um estudo feito na University College Cork, na Irlanda, mostrou que
bactérias intestinais benéficas - os famosos lactobacilos vivos - podem
influênciar o nível de estresse em ratos. Para o experimento, 16 ratos
saudáveis foram alimentados com o Lactobacillus rhamnosus, encontrado em
iogurtes.
Outros 20 receberam um caldo sem bactérias. Resultado: o primeiro grupo
ficou mais aventureiro e explorou duas vezes mais seus labirintos,
sugerindo menos ansiedade. Além disso, quando foram forçados a nadar,
eles também lutaram mais para não afogar.
E houve diferenças na química cerebral: depois do mergulho, os ratos
alimentados com as bactérias tinham metade do corticosterona (hormônio
relacionado ao estresse) no sangue do que os outros. Agora só falta
saber se isso também funciona com humanos.
Outros trabalhos já mostraram que probióticos podem melhorar a saúde
mental de pessoas com síndrome da fadiga crônica - além de melhorar a
memória em humanos saudáveis.
4 cocoriosidades
Troca-troca
O transplante de cocô existe. E pode salvar vidas em caso de
infecções de superbactérias, como a Clostridium difficile. Os
antibióticos usados contra ela, além de serem ineficientes, matam toda a
flora intestinal. Aí a estratégia é repovoar o intestino com as
bactérias naturais e fazer com que elas lutem contra a Clostridium. Para
isso, é só pegar 30 g de cocô de um doador, misturar com água salgada e
inserir por um tubo que entra pelo nariz (ugh) e vai até o estômago do
paciente.
Que sensação
É possível chegar a um estado de euforia e êxtase quando se vai ao
banheiro - semelhante ao orgasmo. "A passagem das fezes no reto ativa o
nervo vago, que sai do crânio e leva impulsos nervosos ao estômago e
intestino delgado. Isso pode pro-vocar a diminuição dos batimentos
cardíacos e do fluxo de sangue para o cérebro", explica Anish Sheth em O
que Seu Cocô Está Dizendo a Você. A sensação é de relaxamento,
arrepios, tontura - e até de perda de consciência.
Pum nosso
Só 10% dos gases vêm da fermentação do alimento. A maior parte vem
da boca, quando engolimos ar sem querer ou em bebidas com gás. Os gases
produzidos pelas bactérias do intestino não têm cheiro. Os alimentos é
que têm. Feijão, ervilha e repolho, por exemplo, contêm rafinose, um
açúcar que não digerimos e que produz muitos gases. Mas as maiores
responsáveis pelo futum são as proteínas, cuja fermentação gera enxofre
(!). Comer carne, meu amigo, é garantia de cheiro ruim.
Vai encarar?
O cientista Mitsuyuki Ikeda, do Centro de Avaliação Ambiental de
Okayama, no Japão, resolveu melhorar a vida de quem não come carne e se
preocupa com o ambiente. Ele criou uma carne feita de excremento humano.
Sim, cocô. E vindo do esgoto. Funciona assim: ele coleta lodo do
esgoto, rico em fezes humanas, retira proteínas e lipídios, e os aquece
para matar as bactérias. Depois, adiciona um pouco de proteína de soja e
molho de carne de verdade para dar gosto.
imagem: www.tecmundo.com.br