O cenário é uma planície gelada no hemisfério norte. O vento sopra sobre
a vegetação rasteira, enquanto a terra estremece sob os passos de uma
peluda fera de 4 metros de altura. Sua enorme tromba é ladeada por
presas de marfim de mais de 5 metros de comprimento. Atrás da mãe, vem o
filhote - um bebê mamute de apenas 1 metro de altura. Por um momento, a
mamãe mamute se distrai, arrancando um arbusto com a tromba e o levando
até a boca. Nesse instante, um feroz esmilodonte (ou
tigre-dente-de-sabre) salta detrás de um rochedo sobre o filhote
indefeso. Ouvindo o grito da cria, o mamute larga a refeição e avança
contra o predador, com as presas erguidas para golpear o inimigo. A cena
épica é observada por um casal de humanos, escondidos em um bosque. Mas
não se trata de neandertais vestidos de peles e armados de clavas. É um
casal de turistas usando roupas do século 21 - e com celulares em riste
para filmar o duelo. Mais tarde, naquele mesmo dia, a briga entre o
mamute e o tigre gigante receberá centenas de curtidas no Facebook.
Essa cena pode parecer saída de um livro de ficção científica - como
Jurassic Park, de Michael Crichton, que especula sobre o que aconteceria
se os dinossauros fossem trazidos de volta à vida. Os
tigres-dente-de-sabre desapareceram há cerca de mil anos; os últimos
mamutes morreram entre 10 mil e 3 mil anos atrás - e o homem é um dos
possíveis responsáveis pelo seu fim. Quando o romance de Crichton foi
publicado, em 1990 - e levado ao cinema por Steven Spielberg três anos
depois -, a ideia de ressuscitar espécies como essas era, de fato, pura
fantasia. Afinal de contas, a extinção sempre foi considerada uma via de
mão única: uma espécie extinta seria como uma pessoa morta e enterrada,
e nada poderia trazê-la de volta. Mas nos últimos anos, com os avanços
da biotecnologia, isso mudou: a desextinção - ou seja, a ressurreição de
uma espécie inteira de animais, plantas ou até mesmo de neandertais -
passou de livros e filmes para pesquisas científicas sérias. Em várias
partes do mundo, há cientistas tentando trazer de volta animais extintos
- e obtendo resultados animadores.
Basicamente, existem duas
maneiras de ressuscitar uma espécie que não existe mais. A primeira se
chama transferência nuclear. É o seguinte. Os cientistas extraem DNA de
fósseis do bicho extinto, e implantam no óvulo de uma espécie parecida.
Isso gera um animal híbrido, que tem algumas características da espécie
extinta. Os híbridos vão sendo cruzados até que, depois de algumas
gerações (não se sabe ao certo quantas), você gera animais idênticos aos
que haviam sido extintos. Foi isso o que aconteceu com o bucardo, uma
espécie de cabra montanhesa que habitava os Pirineus, na divisa da
França com a Espanha. Perseguida durante séculos por caçadores em ambos
os lados da fronteira, a espécie foi diminuindo - no final dos anos 80,
restava apenas uma dúzia de bucardos no mundo. Em 1989, graças a uma
iniciativa do governo espanhol, cientistas passaram a monitorar e
estudar os últimos sobreviventes. Mas já era tarde demais. Em 2000, o
último dos bucardos (uma fêmea, a quem os cientistas haviam apelidado de
Celia) foi esmagado pela queda de uma árvore, e a espécie se tornou
oficialmente extinta.
Um ano antes da morte de Celia, no
entanto, pedaços de sua pele haviam sido coletados - e as células do
bucardo continuavam vivas, em laboratórios de Saragoça e Madri. Quando
Celia morreu, um grupo de cientistas liderados pelo espanhol José Folch
iniciou um projeto que ninguém antes tentara: clonar um indivíduo de uma
espécie extinta. Em um processo de clonagem convencional, o material
genético é colocado dentro de um óvulo - e o óvulo, após algum tempo no
laboratório, vai para o útero de uma fêmea, onde dá origem a um embrião.
"E é aqui que está a grande dificuldade em clonar um indivíduo de uma
espécie extinta", explica Lawrence Smith - cientista brasileiro, filho
de pais ingleses, cujas pesquisas ajudaram na clonagem da ovelha Dolly
em 1997. "Mesmo que você tenha o DNA do animal, você não tem uma fêmea
viva daquela espécie para fazer a gestação."
Os espanhois
resolveram implantar o embrião numa cabra, cujo óvulo teve o DNA
removido. Eles tentaram fazer isso muitas vezes. Foram 439 tentativas,
que geraram 57 embriões. Todos foram implantados, mas apenas sete cabras
engravidaram - e a maioria abortou. Em 30 de junho de 2003, no entanto,
uma das cabras deu à luz um clone vivo de Celia. Um dos cientistas
segurou nos braços o filhotinho. E, por um breve tempo, a espécie dos
bucardos voltou a existir. Mas a primeira desextinção na história da
ciência durou apenas dez minutos. A nova Celia nascera com um tumor
maciço em um dos pulmões e morreu por falta de ar. Na prática, a espécie
havia sido extinta pela segunda vez.
Quebra-cabeça genético
Apesar do fim prematuro do clone, a experiência abriu caminho para
outras. Hoje, há diversos projetos de desextinção sendo desenvolvidos. E
pode ser apenas uma questão de tempo até que algum deles se mostre 100%
bem-sucedido. Além das tentativas de resgatar espécies que já
desapareceram, cientistas também estão coletando o DNA de animais em
risco de extinção - para ter alguma chance de trazê-los de volta, caso
desapareçam. Atualmente, projetos desse tipo estão sendo conduzidos no
zoológico de San Diego, nos Estados Unidos, e também no zoológico de
Brasília, em parceria com a Embrapa.
Há pouco tempo, um grupo de
cientistas chegou muito perto de ressuscitar o Rheobatrachus silus, ou
"sapo de reprodução gástrica" - um esquisitíssimo anfíbio australiano
extinto em 1987. O nome popular da espécie se deve aos seus inusitados
hábitos reprodutivos: a fêmea liberava um punhado de óvulos, que então
eram fertilizados pelo macho. Em seguida, a fêmea engolia os próprios
óvulos e gestava os embriões no estômago. Algumas semanas depois, a sapa
vomitava os sapinhos inteiros - como se fossem uma porção de comida
estragada. Para trazer a bizarra espécie de volta, cientistas
australianos liderados pelo pesquisador Mike Archer, da Universidade de
New South Wales, introduziram o material genético em óvulos de uma outra
espécie de batráquios.
A experiência se arrastou por cinco anos
- isso porque as fêmeas dos sapos ovulam apenas uma vez a cada 12
meses. Em março de 2013, algumas centenas de óvulos começaram a se
desenvolver, dando origem a embriões de Rheobatrachus. Mas eles
sobreviveram apenas alguns dias. "Mesmo a clonagem convencional - usando
DNA, óvulos e úteros de uma mesma espécie - ainda é uma técnica
ineficiente e lenta, com uma taxa de sucesso que em geral fica apenas em
1%", explica Lawrence Smith. "Quando se tenta clonar entre duas
espécies distintas, ainda que aparentadas, as dificuldades se
multiplicam, pois jamais se sabe como a informação genética de uma
espécie vai se adaptar ao óvulo e à gestação de outra."
Exatamente por isso, alguns cientistas estão buscando a desextinção por
outras vias que não a clonagem. É o caso de George Church, da
Universidade Harvard. Desde 2011, ele tenta desextinguir o pombo
viajante, uma espécie que era extremamente comum nos EUA até o século
19. Relatos da época descrevem as revoadas de pombos viajantes
enegrecendo os céus em regiões do leste do país - os pássaros eram
tantos que seu peso quebrava os galhos das árvores em que pousavam. Mas
muito chumbo foi disparado por caçadores americanos de lá para cá - e o
pombo viajante está extinto desde 1913.
Mas, por sorte, há
centenas de pombos dessa espécie empalhados em diversos museus dos
Estados Unidos. Com pedaços de pele retirados da pata de um deles,
Church conseguiu recuperar fragmentos do DNA do pombo - embora ainda não
o genoma inteiro. A ideia não é clonar a ave desaparecida, mas
introduzir pedaços de seu código genético nas células-tronco de um pombo
comum. O pombo resultante seria um híbrido, que iria passando por
cruzamentos até recuperar todas as características da espécie (entenda
melhor lendo o box da página 41). Caso funcione, essa mesma técnica
poderia ser utilizada para ressuscitar espécies desaparecidas há muito
tempo, como o mamute, o tigre-dente-de-sabre ou o auroque - um bovino
selvagem, ancestral do gado moderno, desaparecido da Terra no século 17.
Cacarejo jurássico
Animais como o pombo, o boi e a cabra apresentam algumas
características que facilmente remetem ao pombo viajante, ao auroque e
ao bucardo - seus ancestrais distantes e já extintos. Até aí, nada de
anormal. Mas você sabia que dentro de um simples frango existem
resquícios de dinossauro? E há quem acredite que isso seja a chave para
trazê-los de volta à Terra. "Nós estamos estudando como criar um
dinossauro a partir de uma galinha", diz Jack Horner, paleontólogo da
Universidade de Montana e autor do livro How to Build a Dinosaur ("Como
criar um dinossauro", ainda inédito no Brasil). A ideia é acionar
determinados genes - que as galinhas já possuem, mas que estão inativos.
A técnica se chama engenharia genética reversa. Até os sete dias de
gestação, toda galinha tem uma espécie de mão com três dedos, exatamente
como os crocodilos e dinossauros. A partir da segunda semana, acontece
uma fusão e os dedos se unem para formar a ponta das asas. Com a
manipulação genética, seria possível brecar esse processo - fazendo com
que a galinha tivesse mãos e dedos em vez de asas. Os cientistas da
Universidade de Montana estão tentando usar esse processo para
desenvolver cauda em uma galinha. O Frankenstein jurássico ainda não
existe, mas já ganhou o apelido de dino-chicken - em bom português,
"galinhossauro". "Não tenho dúvidas de que um dia cientistas conseguirão
desenvolver animais que se pareçam com dinossauros e colocá-los em
parques para exibição", afirma Horner, que serviu de inspiração para o
personagem Alan Grant, em Jurassic Park.
Mas dentre os animais
extintos há milhares de anos, é mesmo o lanudo paquiderme do norte quem
tem mais chances de um dia voltar a pisotear a terra. Em abril de 2012,
cientistas russos descobriram no gelo da Sibéria um filhote de mamute em
excelente estado de conservação - o bicho, uma fêmea apelidada de Yuka,
morreu com dois anos e meio de idade, há 39 mil anos. Yuka
provavelmente morreu após ficar atolada em um pântano cuja lama mais
tarde congelou. A parte superior de seu cadáver foi consumida por
predadores, inclusive caçadores humanos. Mas a parte inferior do corpo
ficou preservada no gelo, incluindo a tromba, partes da mandíbula e da
cabeça, as patas e os tecidos da língua e da boca - o que faz de Yuka o
exemplar de mamute mais bem preservado já encontrado.
Em maio de
2013, uma nova notícia sobre Yuka aumentou a expectativa. Um grupo de
pesquisadores russos e sul-coreanos conseguiu extrair uma amostra de
sangue dos tecidos da mamutezinha. O sangue ainda está sendo analisado, e
ninguém sabe se serão encontradas amostras viáveis de DNA. Mas, se isso
acontecer, o material genético poderá ser usado para criar um clone - e
trazer os mamutes de volta à vida. O projeto é liderado pelo cientista
coreano Hwang Woo-Suk, que em 2005 ficou conhecido por ter sido o
primeiro a clonar um cachorro. Se conseguir extrair o DNA, ele pretende
implantá-lo num óvulo de elefante (espécie escolhida por ser
geneticamente similar ao mamute).
Nada garante que isso vá dar
certo. Após milênios no gelo, é possível que o DNA esteja danificado. E
mesmo que a tentativa seja bem-sucedida, será que existe lugar no mundo
de hoje para um filhote de mamute - ou de tigre-dente-de-sabre, ou de
dinossauro?
Quem precisa de mamutes?
A ideia da desextinção pode ser fantástica - mas, para alguns autores e
pesquisadores, ela é uma bobagem. "A desextinção, na verdade, é uma
reinvenção", opina Brian Swiket, jornalista especializado em evolução e
autor do livro Written in Stone ("Escrito em Pedra"), no qual analisa o
tema. Os cientistas não podem garantir que um mamute clonado vá se
comportar como um mamute da Era do Gelo - até porque sequer existem
métodos para fazer essa comparação. "Os mamutes, como os elefantes
modernos, ensinavam hábitos aos seus filhotes e tinham formas de cultura
em seus rebanhos. Mamutes clonados não teriam pais, nem rebanhos e,
portanto, não se comportariam como verdadeiros mamutes", diz Swiket.
Outro empecilho apontado pelos críticos da ressurreição das espécies: em
muitos casos, os hábitats desses animais já desapareceram. "O mamute,
por exemplo, vivia em ambientes muito frios e secos. Por causa das
mudanças climáticas, hoje há poucos lugares com essas características",
diz Swiket. "Sem seu hábitat original, as espécies desextintas poderiam
simplesmente se extinguir outra vez", completa. É um ponto relevante.
Seria cruel e inútil trazer de volta um bicho apenas para vê-lo morrer
de novo. O contrário disso também poderia causar problemas. Uma espécie
desextinta poderia acabar se adaptando bem demais à sua nova vida,
dizimando as populações de outros animais e gerando desequilíbrios
ecológicos. Mas nem todo mundo concorda com essa possibilidade. "Muitas
espécies desaparecidas tinham importância vital em grandes
ecossistemas", diz o geneticista George Church, da Universidade Harvard.
Ele cita um exemplo: graças aos mamutes, as tundras no norte da Rússia
foram um dia cobertas de grama. A terra, antes afofada pelas patas dos
gigantes peludos e fertilizada por seu esterco, se tornou dura e árida
após a extinção desses animais. "Se os mamutes fizeram isso milhares de
anos atrás, podem fazer isso no futuro", acredita Church, que também
aposta na possibilidade de reviver bichos como o dodo, o auroque e o
tigre da tasmânia. Ao trazer de volta certos animais, estaríamos
ressuscitando também um pouco do mundo onde viveram.
O ponto
máximo da desextinção seria trazer de volta o neandertal - que foi nosso
parente mais próximo (e que nós mesmos varremos da face da Terra). O
genoma dos neandertais já foi sequenciado, em 2010. Teoricamente, seria
possível tentar produzir um. Para alguns pesquisadores, o estudo da
fisiologia dos neandertais ajudaria a descobrir tratamentos para doenças
como a osteoporose - à qual eles eram imunes. "Também poderiam ser
feitos pequenos transplantes de tecidos de neandertais para seres
humanos, deixando-os mais resistentes a doenças", acredita Church. Mas
há algumas barreiras morais que parecem intransponíveis. Que mulher
aceitaria carregar um bebê neandertal no útero? Também há uma questão
jurídica, já que legalmente só seria permitido clonar um ser humano com o
consentimento do próprio. Neandertais pertencem ao gênero Homo, o mesmo
dos humanos modernos. E é complicado obter o consentimento de alguém
cuja espécie deixou de existir há mais de 30 mil anos.
Mamute (Mammuthus primigenius) Extinto há - 3 mil anos
Ressuscitador - Museu de Mamutes de Yakutsk (Rússia)
Como
- Em 2013, os cientistas retiraram uma amostra de sangue do fóssil de
Yuka, uma mamute fêmea morta há 39 mil anos. Agora, estão analisando
esse sangue para tentar achar uma célula intacta, que contenha DNA
completo e legível. Se for encontrada, será implantada num óvulo de
elefante.
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imagem: blog.endpoint.com |
Bucardo (Capra pyrenaica pyrenaica) Extinto em - 2000
Ressuscitador - Instituto Nacional de Pesquisa (Espanha)
Como
- Os cientistas coletaram DNA de Celia, um dos últimos exemplares dessa
subespécie de cabra. Entre 2003 e 2006, ele foi implantado em 400
óvulos. Um dos embriões deu certo e gerou um bucardo. Mas ele morreu
após dez minutos. O projeto foi retomado em novembro de 2013.
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imagem: sweet-metazoa.tumblr.com |
Sapo de reprodução gástrica (Rheobatracus silus) Extinto em - 1987
Ressuscitador - Universidade de New South Wales
Como
- Quando a espécie estava quase extinta, amostras de seu DNA foram
congeladas. Os cientistas introduziram esse material em óvulos "vazios"
(com DNA removido) de outras espécies. Nasceram centenas de embriões.
Agora, a meta é dar o passo seguinte - e criar girinos.
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imagem: www.brasil247.com |
Pombo viajante (Ectopistes migratorius) Extinto em - 1913
Ressuscitador - Universidade Harvard
Como - Em 2011, os pesquisadores conseguiram extrair DNA de animais
empalhados, e agora estão tentando implantar esse material nas
células-tronco de pombos comuns. O animal resultante, se nascer, será um
híbrido, com algumas características do pombo viajante, que serão
transmitidas aos descendentes. Esses descendentes serão cruzados entre
si, para ir purificando o código genético até chegar a um pombo
genuinamente Ectopistes.
Imagem: mamute gettyimages.com