terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Watch Dogs 2 leva aos games a ficção distópica de ‘Black Mirror’

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Se na estreia o jogo tudo prometeu e pouco cumpriu, pode-se dizer que agora a série se encontrou
Watch Dogs 2 traz a essência promissora do primeiro game com uma produção muito mais detalhada e bem feita
“O smartphone já é quase uma extensão do cérebro” virou uma frase comum sobre os celulares que parecem fazer tudo no mercado. Em Watch Dogs 2, os aparelhos que habitam os nossos bolsos são também os olhos, os braços e as pernas de seus usuários. O lançamento da Ubisoft, que aprimora o game lançado em 2014, põe o jogador em um universo que os fãs da série Black Mirror já estão muito acostumados a ver por aí: uma distopia tecnológica que, não duvide, pode chegar a qualquer momento.

Assim como no primeiro jogo da série, o protagonista é capaz de fazer praticamente tudo com seu smartphone: mudar semáforos, hackear câmeras de segurança, invadir conversas de outros celulares e por aí vai. A chamada “internet das coisas” testa seus limites e deixa o jogador pensativo sobre como tudo aquilo que é mostrado na tela é completamente possível de ser feito.

O que está em jogo aqui é a grande moeda de troca do século 21: a informação. Gigantes da indústria obtêm dados sobre praticamente tudo que você consome. Seu seguro de vida sabe das muitas pizzas que você comeu e vai encarecer o seu plano de saúde. Seus hábitos de compra se tornam algoritmos para te oferecer outros produtos – algo que já é visto hoje em qualquer navegador. É neste contexto, bastante próximo das discussões éticas que tomaram conta não só de enredos no entretenimento, mas também do debate filosófico sobre o futuro da humanidade que o jogo se concentra.

Diferentemente da primeira versão, onde um drama pessoal estava no centro de toda a história, desta vez você é Marcus Holloway, um hacker jovem e bem humorado que se une com um grupo de experts no ramo – o Deadsec, algo como um Anonymous potencializado – para combater o “mal” do sistema que usa seus dados.

Sua missão principal é uma só: conseguir o máximo de “curtidas” possíveis para o aplicativo da gangue Deadsec nas redes sociais, para ganhar mais poder nesta sociedade que valoriza tanto os dados de usuários. Quanto mais pessoas baixarem o aplicativo, mais fácil de utilizar as ferramentas de hackeamento e mais habilidades surgem para serem experimentadas no gigante mapa da Baía de São Francisco, na Califórnia.

E para atingir tal objetivo, vale lançar mão de tudo – até fazer selfies. O nível de detalhes da trama para fazer com que você realmente pense que está naquele universo é bastante divertido. O smartphone do protagonista pode ser aberto como se fosse um menu do jogo e permite ao jogador acionar músicas (parece, mas não é Spotify), chamar um carro (mas não é Uber), buscar missões e, sim…fazer fotos suas em meio a uma briga ou em um cenário bonito e publicá-las nas redes sociais (em uma rede social que também não é Facebook).

Você se verá cumprindo missões que certamente caberiam em uma série de TV. Em uma delas, por exemplo, terá de invadir a sede de uma falsa igreja para provar que ela mente para seus fiéis e até utiliza relíquias de mentira para fidelizá-los. E como provar isto? Quebrando as relíquias e postando o vídeo na internet, é claro.

A história do jogo flui como uma comédia americana para assistir sem compromisso. A localização dos diálogos para o português ficou ótima e muitas expressões usadas pelos personagens são bem próximas da realidade. É possível que um jogador com seus 30 e tantos anos possa estranhar algumas gírias, mas, acredite – alguém mais novo provavelmente as utiliza no dia-dia-dia. Palavrões e piadinhas entre os hackers acontecem o tempo todo – eles se comunicam constantemente entre as missões – e deixam o jogador, ainda que no modo single player, com uma sensação de estar acompanhado o tempo todo.

Jogabilidade

Watch Dogs 2 entra na “modinha” do jogo de furtividade (stealth) e ação, o que, neste caso, é bastante gratificante. Em um cenário gigante com uma infinidade de personagens e prédios para interagir, nada melhor do que poder cumprir as missões com muita liberdade. A evolução do personagem por meio dos pontos de experiência ajuda a escolher que caminho seguir: o do espião silencioso, que tenta fazer tudo sem que ninguém perceba, ou do serial-killer que sai metralhando tudo que vê. Há, inclusive, uma decisão ética muito clara desde o começo: é possível passar o jogo todo sem matar ninguém, usando apenas pistolas e bombas de choque. Depende de você.

Até os famosos drones têm vez neste segundo game da saga, seja na via terrestre, seja pelo ar. E isto é divertidíssimo. É possível invadir as salas que você quer em saídas de ar minúsculas com auxílio do robô controlado em seu notebook e até observar a cidade do alto de seus prédios sem sequer estar lá.

O nível de dificuldade é considerável: diferentemente de outros jogos de jogabilidade semelhante, a morte é muito próxima aqui. Se você brigar com alguém na rua, o personagem pode sacar uma arma, dar dois tiros e pronto. Você morre. Não há um colete à prova de balas infinitas nem aquelas bizarrices dignas de um desenho animado, como cair de um penhasco e continuar vivo.

A realidade para aí: se por um lado os tiros são bastante mortais, manobras perigosíssimas no trânsito não representam perigo algum. Prepare-se para bater inúmeras vezes, capotar o carro, e sair ileso, sem nenhum arranhão. Isto pode até ajudar a fazer o jogo mais dinâmico, mas certamente o distancia da realidade que tenta passar praticamente todo o tempo.

Há uma série de armas que podem ser utilizadas – você as imprime em uma impressora 3D de sua base, em troca de dinheiro. O jogo também deixa uma série de armadilhas que podem ser hackeadas contra os inimigos, como bueiros que explodem e outros objetos que explodem e podem matar ou só dar choque. Também é possível distrair os inimigos mandando sinais a seus celulares ou até colocar uns contra os outros. Tudo de forma muito simples e intuitiva.

Outra coisa que impressiona é a interação dos personagens não jogáveis durante o game. Todos têm algo a dizer e oferecem reações diferentes conforme a sua interação. Você pode elogiar, ofender e até flertar com qualquer um. Ao brigar, pode ser espancado e até morrer por qualquer um, de forma aleatória. Os puzzles também estão de volta, mas de forma muito mais leve e moderada – os do primeiro game eram chatíssimos e demorados. Basta ligar os pontos para conseguir hackear o sistema de determinadas missões, nada de outro mundo e nada que tire a adrenalina da missão como um todo.

Vale a pena? Sim. Watch Dogs 2 traz a essência promissora do primeiro game com uma produção muito mais detalhada e bem feita. É como se a primeira versão fosse apenas um teste para o que estava por vir. Se na estreia o jogo tudo prometeu e pouco cumpriu, pode-se dizer que agora a série se encontrou. Se você gosta de distopia, tecnologia e jogos de mundo aberto, esta certamente é uma excelente opção. E para durar. Luiz Fernando Toledo_Agência Estado





Imagem: Divulgação

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